sexta-feira, 4 de maio de 2012

"Nunca Subestime Uma Mulherzinha"


O trecho do texto abaixo, que leva o título de "Meus Avós Japoneses", de Fernanda Takai, está no livro "Nunca Subestime Uma Mulherzinha", da Panda Books, da editora Original. 


Meus Avós Japoneses
'Durante muitos anos de minha vida, eu passei parte das férias escolares em São José dos Campos, na casinha pequena de meus avós japoneses às margens da Via Dutra. Quase toda a família se reunia por lá nessa época. Muita comida, muitos presentes, muitas cadeiras na garagem com gente conversando e vendo a vida passar. Tenho lembranças dos jogos de queimada e vôlei na rua, do rodízio de duas bicicletas para doze primos, do medo de atravessar a passarela de madeira e ferro sobre uma das estradas mais movimentadas do país pra irmos todos juntos "ver o que tem do outro lado". Os quartinhos da casa se amontoavam de colchões, futons, gibis e malas pelo chão.

Dirigia meio mal um fusquinha com a capanga pendurada no braço o tempo todo e já era aposentado. Estava sempre de cabelo cortado bem rente e certinho, tinha uns óculos bonitos e quadrados que até estão na moda novamente. Minha batian (avó) Akiko estava sempre sorridente, costurava muito bem e atendia a encomendas de lojas e clientes particulares. Sempre foi muito elegante, mas muito simples, trabalhava em casa. Os dois falavam mal o Português mas sempre o faziam com paciência quando conversavam com os netos. Minha bisavó era viva também e morava num quartinho perto da cozinha e do banheiro. Era tão pequena que parecia nunca ter crescido. Fazia lindos tapetinhos e colchas de retalhos com uma precisão enorme apesar dos mais de 90 anos.Eu achava meu ditian (avô) Toshita muito legal. Ele sempre gostou de cozinhar. Fazia pastéis deliciosos e um sukyaki que é o melhor que já comi na vida. Quando estávamos pra chegar, abastecia a despensa de todos os biscoitinhos e balinhas que os netos gostavam.
Na cozinha havia a foto de um grande navio e logo acima dela um troféu com alguns dizeres. Durante muitos anos eu nunca soube o que era ou mesmo tive a curiosidade de perguntar. Só quando eu tinha uns 13 anos é que vim a saber que era a foto do Kasato Maru, o grande navio a vapor que trouxe os primeiros imigrantes ao Brasil. Descobri que meus bisavós vieram pro Brasil com filhos pequenos e foram um dos primeiros a desembarcar em Santos. Quando eram jovens Toshita e Akiko trabalharam nas lavouras de café do interior de São Paulo e lá se casaram, formaram família. Depois de algumas desventuras como ter conseguido comprar terra e perder tudo por causa de intempéries, meu avô abriu um armazém de "secos e molhados". Durante algum tempo foi esse o sustento da família que conseguia estudar e ser feliz, com alguma dificuldade, no país que os acolhera. Anos depois ele virou motorista de ônibus. Realmente não posso acreditar que fosse o mesmo motorista do fusquinha...'

Fonte: Folha Online

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"Não se nasce mulher: torna-se."
(Simone de Beauvoir)

Obrigada pela visita
AC. Lara

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